Obesidade e violência alimentar – reflexões acerca da influência sobre a guarda dos filhos

1 – Conceito de obesidade e sua relevância no cenário atual:

 

No mundo dominado pelos fast-foods e entretenimentos tecnológicos, e, especialmente no Brasil, com altos índices de violência que desestimulam os pais a permitirem que seus filhos se divirtam nas ruas, o que se nota é baixa crescente da qualidade da alimentação e crescimento vertiginoso do sedentarismo, o que se revela campo fértil ao avanço exponencial da obesidade infantil, classificada como doença pela OMS – Organização Mundial da Saúde.

 

A obesidade é conceituada pela OMS como o acúmulo anormal de gordura corporal que pode prejudicar a saúde do indivíduo, e, segundo a International Association for the Study of Obesity, é reconhecida como uma epidemia mundial e um importante problema de saúde global.

 

Segundo estudo divulgado pela referida instituição, em 2016 já havia mais de 200 milhões de crianças obesas ou com sobrepeso no mundo, merecendo destaque os continentes americano e asiático, com, respectivamente, 75 e 84 milhões de crianças nesta condição[i].

 

Segundo estudo do Imperial College London e da OMS, divulgado em 2017, o número de crianças e adolescentes (de cinco a 19 anos) obesos em todo o mundo aumentou dez vezes nas últimas quatro décadas, o que aponta para um outro dado igualmente alarmante: se as tendências atuais continuarem, haverá mais crianças e adolescentes com obesidade do que com desnutrição moderada e grave até 2022[ii].

 

A importância de tais dados aflora do fato de que a obesidade é associada a diversas e graves doenças, tais como: “Hipertensão” arterial, cardiopatias, doenças cardiovasculares, diabetes tipo 2 e alguns tipos de câncer, além de causadora de problemas articulares, dificuldade de locomoção, transtornos psicológicos, depressão, dificuldade de inserção na sociedade, dando causa a alto índice de tentativas de suicídio.

 

Dentre os malefícios acima, merecem destaque as cardiopatias, o câncer e a Diabetes mellitus, que figuram no rol das 10 doenças que mais matam no mundo, segundo dados divulgados pela Organização Pan-Americana da Saúde – OPAS em 2018[iii].

 

Diante de tal cenário desolador, outro dado se torna ainda mais alarmante: as crianças obesas apresentam um risco duas vezes maior de se tornarem adultas obesas, e, mais ainda, portadoras de distúrbios psicossociais, como a depressão e o isolamento social.

 

A mesma Organização Pan-Americana da Saúde – OPAS, em texto publicado em seu site institucional em 2016[iv], classifica o problema como de caráter pandêmico, multiétnico, ocorrendo em países de alta, média e baixa renda (particularmente em áreas urbanas), em homens e mulheres e em todas as faixas etárias.

 

Trata-se, portanto, de um cenário extremamente alarmante e que merece especial atenção da sociedade e, sobretudo, dos pais, grandes responsáveis que são pela preservação da integridade de seus filhos.

 

 

2 – Fatores causadores da obesidade.

 

É certo que a obesidade pode ser desencadeada por fatores diversos, mas o que se constata é que, na grande maioria dos casos, a sua gênese tem como fator fundamental o sedentarismo e, sobretudo, a má alimentação.

 

Em outras palavras, a obesidade é multifatorial, mas tem como principal fator desencadeador o desequilíbrio entre o consumo de calorias e o gasto calórico, decorrentes da ingestão de dietas ricas em carboidratos de má qualidade e gorduras ruins, associadas a aumento do sedentarismo na população, especialmente a urbana.

 

Maria Arlete Escrivão, em seu artigo “Obesidade exógena na infância e na adolescência” (Jornal de Pediatria, Rio de Janeiro, 10 fev. 2000. p. 01-10), destaca que a obesidade é uma doença crônica, que envolve fatores genéticos, ambientais e comportamentais em cerca de, 95-98% dos casos (obesidade exógena). Apenas uma minoria apresenta uma patologia responsável pelo excesso de peso (obesidade endógena), como as doenças endócrinas e neurológicas.

 

Portanto, a grande maioria dos desencadeadores da obesidade infantil surgem de causas externas que envolvem a criança no seu cotidiano e relações sociais. Apenas a minoria dos casos decorre de fatores de ordem genética.

 

Diante de tal cenário de fatores, no qual prepondera o desequilíbrio calórico,  proporcionado pela rotina sedentária e ingestão de alimentos pobres em nutrientes e ricos em calorias (compostos por quantidade excessiva de açúcar, gorduras saturadas, além dos processados e ultraprocessados), a conduta dos pais em relação a oferta de alimentos aos filhos se torna ainda mais relevante.

 

E é sobre esse dever de cuidado que iremos alinhar as reflexões que seguem adiante, bem como acerca da repercussão no direito/dever quanto ao exercício da guarda.

 

3 – Direitos fundamentais da criança e do adolescente:

 

Em um cenário no qual se busca o enfrentamento de questão que repercute diretamente na saúde de crianças e adolescentes, qualquer reflexão há de ser precedida do entendimento acerca dos seus direitos fundamentais.

 

Nesse prisma, o primeiro destaque que se faz necessário é que o Art. 227 da Constituição Federal estabelece que “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.

 

Em complemento, delineando de forma ainda mais clara a responsabilidade dos pais em relação aos filhos, o Art. 229 ainda prevê que “os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade”.

 

Diante de tal normatização constitucional, a outra conclusão não se pode chegar que não seja o dever dos pais de cuidarem de seus filhos, zelando pela vida, saúde e alimentação, enquanto direitos fundamentais e inafastáveis destes.

 

A fim de promover a efetividade ao regramento constitucional, ainda prevê o Estatuto da Criança de do Adolescente, em seu Art. 4º, que “é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária”.

 

Mais ainda, em seu Art. 5º, prevê que “nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais”.

 

Nota-se, assim, a existência de um sistema de profunda e inafastável proteção à criança e ao adolescente, o qual impõe a família – sobretudo aos pais – o DEVER DE CUIDAR, celebrando, entre outras posturas, a paternidade responsável.

 

A mesma atenção para com o cuidado está inscrita expressamente na Convenção Internacional sobre Direitos da Criança, que em seu art. 3º prevê que “os Estados Partes comprometem-se a garantir à criança a proteção e os cuidados necessários ao seu bem-estar”.

 

Merece ainda destaque a relevância já dada à categoria “cuidado”, no que concerne à segurança, à integridade, à saúde, à educação, enfim, à atenção para com todos os direitos da criança, o que celebra o princípio da dignidade humana previsto no art. 1º, inc. III, da Constituição Federal, presente também na Lei nº 12.318/2010 que dispõe sobre a alienação parental; na Lei nº 12.594/2012 que trata do Sistema Nacional de Atendimento Sócio Educativo; na Lei nº 8.560/1992 que regula a investigação de paternidade dos filhos havidos fora do casamento; na Lei nº 9.394/1996 que dispõe sobre a matrícula em ensino fundamental; na Lei nº 12.010/2009 que dispõe sobre adoção, dentre muitas outras.

 

Tendo tais alicerces normativos como premissa, ao enfrentar o dever de cuidado parental, nos autos do Recurso Especial nº. 1.159.242 – SP, o Ministro do STJ Marco Buzzi destacou, com brilhantismo, que é “dever da família – entendida esta como comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes – assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar comunitária, além de colocá-la a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.

 

Nesse contexto, que tem como pano de fundo o dever de cuidado familiar e, sobretudo, por parte dos pais, há de se analisar o papel do genitor que ostenta a guarda unilateral dos filhos, ou, em se tratando de guarda compartilhada, com quem reside a criança, diante de eventual estado de obesidade do menor.

 

Afinal, a obesidade decorrente da ofensa ao dever de cuidado, fruto de negligência parental, é uma forma de agressão a direito fundamental da criança? Trata-se de uma espécie de VIOLÊNCIA?

 

4 – Violência alimentar:

 

Em artigo publicado na REVISTA PAULISTA DE PEDIATRIA, em 20 de março de 2015, de autoria de Carolina Abreu de Carvalho, Poliana Cristina de Almeida Fonsêca, Silvia Eloiza Priore, Sylvia do Carmo Castro Franceschini e Juliana Farias de Novaes, evidencia-se que “as crianças representam um grupo de grande vulnerabilidade devido ao crescimento rápido e à imaturidade fisiológica e imunológica.1,2 A nutrição adequada nos primeiros anos de vida é fundamental para o crescimento e o desenvolvimento saudáveis.3 Inadequações no consumo de nutrientes podem comprometer o estado nutricional e levar ao desenvolvimento de carências ou excessos nutricionais.4 As doenças carenciais aumentam a suscetibilidade das crianças a diarreias e infecções, além de poder comprometer a maturação do sistema nervoso, visual, mental e intelectual.5 No Brasil, as deficiências de ferro e vitamina A são as carências de micronutrientes mais observadas e representam um problema de saúde pública.6,7 Dados da Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde (PNDS), feita em 2006, apresentam prevalência de anemia de 20,9% e níveis inadequados de vitamina A de 17,4% em crianças menores de cinco anos.8 Com a transição nutricional, o sobrepeso e a obesidade, que refletem o consumo excessivo de energia e/ou gasto energético insuficiente, têm apresentado prevalências elevadas na população infantil brasileira. A Pesquisa de Orçamentos Familiares (2008-2009) apresentou a evolução dos indicadores antropométricos de crianças brasileiras entre cinco e nove anos e mostrou um aumento do sobrepeso de 10,9% em 1974-1975 para 34,8% em 2008-2009 em meninos e de 8,6% para 32% em meninas, no mesmo período”.

 

Portanto, repita-se, os pais têm um papel vital na modelagem das escolhas alimentares e na moldagem das preferências alimentares de seus filhos, o que reforça o dever de zelarem pela saúde, evitando, dentre outros transtornos, o desenvolvimento da obesidade.

 

Não raro é possível se deparar com pais que estimulam a alimentação desregrada de seus filhos, oferecendo – POR COMODIDADE – alimentos hipercalóricos, processados e pobres em nutrientes, de forma a CAUSAR, PERPETUAR ou AGRAVAR transtornos de toda ordem, dentre eles a obesidade e os males que dela decorrem.

 

É importante destacar que o que se tem em foco não são os pais que padecem de limitações financeiras e, por isso, oferecem o que lhes é possível oferecer, mas os que, podendo agir de forma diferente, dotados de meios para tanto, conduzem seus filhos ao caminho da obesidade por pura NEGLIGÊNCIA.

 

Pais que, mesmo ostentando recursos financeiros para tanto, oferecem aos seus filhos alimentação inadequada e, assim, estimulam o estado de obesidade dos filhos, negligenciando os cuidados com a saúde, e, bem por isso, vilipendiam culposamente direitos fundamentas da criança e, assim, protagonizam o que tomo a liberdade de denominar VIOLÊNCIA ALIMENTAR.

 

Tal espécie de violência se exterioriza não somente pela oferta inadequada de alimentos e perpetuação de hábitos não saudáveis, como também pela omissão na busca por meios adequados de tratamento.

 

 

Pais que pecam pela omissão, seja não buscando os meios de tratamento disponíveis, ou mesmo por não promoverem a necessária – muitas vezes imperiosa – reeducação alimentar dos filhos, igualmente praticam VIOLÊNCIA a seus direitos fundamentais.

 

Aliás, vale salientar que a negligência é a forma mais frequente de maus-tratos contra crianças e adolescentes[v].

 

Sob o prisma da ciência, a violência, segundo a ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE – OMS, como “uso intencional da força ou poder em uma forma de ameaça ou efetivamente, contra si mesmo, outra pessoa ou grupo ou comunidade, que ocasiona ou tem grandes probabilidades de ocasionar lesão, morte, dano psíquico, alterações do desenvolvimento ou privações” [vi].

 

A Organização Mundial de Saúde (OMS)[vii] classifica a violência contra a criança em quatro tipos: abuso físico, sexual, emocional ou psicológico e negligência, os quais podem resultar em danos físicos, psicológicos; prejuízo ao crescimento, desenvolvimento e maturação das crianças.

 

Marilena Chauí (2011), em seu artigo intitulado “Contra a violência”, define violência como:

 

 1) tudo o que age usando a força para ir contra a natureza de algum ser (é desnaturar); 2) todo ato de força contra a espontaneidade, a vontade e a liberdade de alguém (é coagir, constranger, torturar, brutalizar); 3) todo ato de violação da natureza de alguém ou de alguma coisa valorizada positivamente por uma sociedade (é violar); 4) todo ato de transgressão contra aquelas coisas e ações que alguém ou uma sociedade define como justas e como um direito; 5) consequentemente, violência é um ato de brutalidade, sevícia e abuso físico e/ou psíquico contra alguém e caracteriza relações intersubjetivas e sociais definidas pela opressão, intimidação, pelo medo e pelo terror. (Ensaio: ética e violência, 2011, p. 1).

 

Já a Sociedade Brasileira de Pediatria define-se violência doméstica ou maus tratos como”(…) ação ou omissão praticada por adulto ou adolescente mais velho que, na qualidade de responsável, permanente ou temporário, tenha a intenção, consciente ou não, de provocar dor na criança ou no adolescente, seja essa dor física ou emocional. Os maus tratos são considerados a fonte de todas as formas de violência, pois, na dependência da idade, da intensidade e do tempo de duração, podem desestruturar a formação da personalidade da criança, levando a danos ao seu desenvolvimento físico, moral, intelectual ou psicossocial e determinando falhas na formação ou a destruição dos valores morais mínimos para a convivência consigo mesma e com o outro. A violência doméstica é a forma mais comum de violência praticada contra a criança e o adolescente, e, na maioria dos casos, os responsáveis são os principais agressores” (TFEIFFER, Luci; WAKSMAN, Renata Dejtiar. Injúrias intencionais (violência): reconhecimento da violência. In: LOPES, Fábio Anacona; CAMPOS JÚNIOC, Diolcécio. (coord.). Tratado de Pediatria. Sociedade Brasileira de Pediatria. São Paulo: Editora Manole, 2007, p. 119).

 

Nesse contexto, a conduta parental que estimula a obesidade infantil, se decorrente de negligência, manifestada pela ausência de atos de cuidado que poderiam na prática ser implementados pelo genitor, não se controverte de certeza que configura espécie  de violência, tendo como alvo a saúde e, dependendo da gravidade do caso, a própria vida do menor.

 Não se pode conceber que, diante da existência de tão vasto e denso sistema de proteção aos direitos da criança e do adolescente, tenham eles a saúde vilipendiada por pais negligentes, considerados estes aqueles que – repito – desleixadamente não oferecem aos seus filhos, mesmo podendo, o acervo de alimentos minimamente adequado à preservação da saúde, estimulando, assim, o desenvolvimento ou mesmo a perpetuação da obesidade infantil.

 

Evidenciado que tal prática importa em VIOLÊNCIA, a qual denomino de VIOLÊNCIA ALIMENTAR, há de se perquirir até que ponto se torna perniciosa a manutenção do menor vilipendiado sob a guarda do genitor responsável pela gestão diária da nutrição.

Caso de destaque sobre o tema veio à tona em 2011, nos Estados Unidos, no qual a mãe perdeu a guarda do filho de 8 anos por não conseguir fazer o menino emagrecer.

 

O garoto, de Cleveland, com apenas 8 anos de idade pesava mais de 90 kg, e foi enviado a um abrigo.

 

A decisão levou em conta que crianças com a mesma idade normalmente ostentam em torno de 27kg e que o sobrepeso do menino poderia causar doenças como diabetes e hipertensão.

 

O condado de Cuyahoga (que tem Cleveland como sede) concluiu,  após 20 meses de trabalho do serviço de assistência à criança da região junto ao menino e sua mãe, que a incapacidade da genitora caracterizava uma espécie de negligência médica.

 

Outro caso interessante, noticiado em 2009 pela Revista ISTO É, surgiu também nos Estados Unidos, no condado de Dundee, referente a guarda de sete filhos, perdida pelos pais por não terem condições de dar uma vida saudável aos menores.

 

Já em terras brasileiras se tem notícia que em 2012 um pai morador de Londrina/PR registrou Boletim de Ocorrência em face da genitora da criança, sob alegação de maus tratos, na medida em que a filha, sob a guarda da mãe, apresentava cerca de 30Kg acima do peso médio para crianças da mesma idade.

 

Segundo informação veiculada na Folha de São Paulo[viii], o mesmo argumento fora utilizado para fundamentar ação judicial destinada a modificação da guarda da criança, cujo desfecho é desconhecido em razão do processo ter tramitado em segredo de justiça, como de praxe.

 

Longe de se trazer qualquer juízo de valor quanto aos casos em referência – acerca dos quais não se possui maiores e detalhadas informações – o destaque se presta a lançar os holofotes da proteção da criança sobre a questão alimentar e sua repercussão sobre a saúde dos pequenos, a qual não há de ser negligenciada pelos pais sob nenhum dos seus aspectos.

 

Por óbvio que a obesidade ou mesmo outros malefícios nem sempre podem ser atribuídos com exclusividade às questões alimentares, mas não se pode negar que, quando este liame se mostra evidente e, mais ainda, revelada a negligência do guardião nesse particular, o sistema jurídico de proteção a criança e ao adolescente não pode se manter inerte.

 

Se não padece controvérsia de que a guarda há de se pautar pelo princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, muito menos há de pairar dúvida quanto a necessidade de se reavaliar a permanência da guarda à luz do genitor que pratica a violência alimentar.

 

Por certo que a preservação do melhor interesse da criança e do adolescente exige uma análise macro do contexto familiar do menor, adentrando no exame das múltiplas e entrelaçadas relações que integram tal cenário, mas não se pode fechar os olhos para a gravidade e significância da violência alimentar como ofensa direta aos direitos fundamentas da criança e do adolescente.

 

Tal modalidade de violência merece atenção, sem, contudo, que sobre ela se lance indiscriminadamente a pecha de fator preponderante para modificações abruptas dos regimes de guarda, dada a necessidade de análise dedicada e aprofundada de cada caso específico.

 

Acerca de tal cuidado no que tange ao enfrentamento do princípio do melhor interesse da criança e do adolescente se manifestou Rodrigo da Cunha Pereira:

 

“O entendimento sobre seu conteúdo pode sofrer variações culturais, sociais e axiológicas. É por esta razão que a definição de mérito só pode ser feita no caso concreto, ou seja, naquela situação real, com determinados contornos predefinidos, o que é o melhor para o menor.(…) Para a aplicação do princípio que atenda verdadeiramente ao interesse dos menores, é necessário em cada caso fazer uma distinção entre moral e ética.”

 

A violência alimentar é algo a ser combatido e severamente desestimulado, contudo, no que toca às suas implicações no regime de guarda, em hipótese alguma pode ser tratada de maneira indiscriminada, eis que, a fim de preservar o melhor interesse da criança e do adolescente, se faz necessária a análise das circunstâncias por seus diversos matizes: culturais, morais, éticos, sociais, financeiros, etc.

5 – Conclusão:

 

Toda forma de negligência que toma contornos de gravidade, colocando severamente em risco a saúde da criança e do adolescente deve ser breve e fortemente rechaçada pelo sistema jurídico, seja qual for o protagonista da conduta que vilipendia tal direito fundamental e constitucionalmente consagrado.

 

Nesse contexto, evidenciada a obesidade infantil, há de se atentar para a gravidade da doença no caso concreto, o risco de deflagração de outras comorbidades e, sobretudo, qual a participação do guardião detentor da gestão alimentar – ativa e/ou passiva – na edificação de tal cenário de debilidade da saúde do menor, com todas as cautelas que um evento que envolve as crianças e adolescentes requer, levando-se em conta, inclusive, a eventual multifatoriedade da doença e a capacidade concreta do genitor de ter se conduzido de forma diversa.

 

O enfrentamento do tema requer cuidado e sensibilidade ao extremo, de forma que o julgador enfrente eventual necessidade de modificação da guarda à luz das circunstâncias que permeiam o caso concreto, sem se descurar do princípio do MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA.

 

Assim, a VIOLÊNCIA ALIMENTAR, a depender das circunstâncias do caso concreto, pode se mostrar como o estopim para a modificação do regime de guarda, se de fato tal medida demostrar-se capaz de melhor preservar a

[i] https://www.aso.org.uk/wp-content/uploads/2018/11/Taking-Action-Childhood_Obesity.pdf

[ii] https://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(17)32129-3/fulltext?elsca1=tlpr

[iii] https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=5638:10-principais-causas-de-morte-no-mundo&Itemid=0

[iv] https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_docman&view=document&layout=default&alias=1535-obesidade-como-fator-risco-para-morbidade-e-mortalidade-evidencias-sobre-o-manejo-com-medidas-nao-medicamentosas-5&category_slug=serie-uso-racional-medicamentos-284&Itemid=965

[v][v] Zambon MP, Jacintho ACA, Medeiro MM, Guglielminetti R, Marmo DB. Violência doméstica contra crianças e adolescentes: um desafio. Rev Assoc Med Bras 2012; 58(4):465-464.

[vi] World Health Organization. Global consultation on violence and health.Violence: a public health priority. Geneva: WHO; 1996 (document WHO/EHA/ SPI.POA.2)

[vii] World Health Organization (WHO). Preventing child maltreatment: a guide to taking action and generating evidence. Geneva: WHO; 2006.

[viii] https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2012/08/1134938-pai-denuncia-ex-por-obesidade-da-filha.shtml

 

 

Luis Gustavo Narciso Guimarães

Advogado – OAB/ES 10.997

Especialista em Direito de Família e Sucessões

Sócio do Escritório Narciso Guimarães Advogados Associados

 

 

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